Paisagem na Trilha dos Cristais, Pesqueira-PE. Foto: Virgínia França.
Nessa segunda parte do "Viajando nas Trilhas", a intrépida e destemida trilheira Virgínia França nos fala sobre suas experiências na zona da mata e agreste de Pernambuco, a variedade e importância dos guias trilheiros, assombrações, eremitas, a sensação do rapel e outros assuntos nessa narrativa tão bem humorada.
Curiosos como eu?
Parte 2
Não mencionei na parte anterior, mas as trilhas pedem um cuidado essencial, na minha humilde opinião: nunca ultrapassar o guia. O guia, e o nome é auto explicativo, é quem guia o grupo, é importante ter confiança nele e respeitar sua liderança. Normalmente, além dos guias do grupo, cada trilha conta com os guias locais dos quais um sempre segue na frente por conhecer o caminho e as particularidades do percurso. E tem guia de todo tipo e modelo: alguns são mais falantes, outros são agoniados (agitados, em pernambuquês), tem aqueles que juram que são fotógrafos “profissionais”, e outros tão sisudos que sorrir era um evento raro. Tem guia que não explica nada, a menos que você pergunte; e tem guia que explica tudo e tanto, que dá até nervoso. Mas o fato é: sem guia não tem trilha. Portanto, juízo e obedeça ao guia!!
De volta às trilhas, a minha quarta foi reincidente, Brejo da Madre de Deus de novo, mas dessa vez pra fazer a Trilha do Mundo Perdido. Não, não tinha dinossauro nenhum; acho que ganhou esse nome por ser uma trilha nova e porque passava por uma casa abandonada (segundo os locais, má-assombrada) e pela propriedade de um eremita. Mas antes de chegar nesses pontos, enfrentamos muito calor com um sol de rachar o quengo (cabeça, em pernambuquês). Até passei mal. Problema remediado com uma paradinha básica e muita água. Mais difícil foi ver o elefante na dita Pedra do Elefante. Alguns conseguiram e outros estão tentando até agora.
Com algum esforço imagino-criativo talvez seja possível ver o elefante. Alguns o viram esquartejado. Foto: Adrianna Coutinho.
Seu Boína é o eremita do Brejo, que mora em uma casa no meio de uma plantação de feijão guandu. O ambiente faz você pensar que foi transportado para o passado, o chocalhar das vagens do feijão ao sabor do vento é um barulhinho que convida à contemplação em um sítio sem TV, rádio e quaisquer das facilidades da vida moderna. Pra fazer companhia ao eremita, apenas um gato e a sanfona, que ele acredita que sabe tocar. Essas coisas fazem os seres urbanos pensarem. Momentos de reflexão em plena trilha.
Olha aí Seu Boina e sua sanfona. Ele até “tocou” algo pra nós. Foto: Adrianna Coutinho.
A trilha começou com calor de matar, vegetação seca de caatinga e muita pedra, depois passamos por plantações de milho, banana e feijão, até chegarmos a uma espécie de clube com mesas de sinuca, piscina, banheiro, sombra, cerveja e coca-cola geladinhos, ou seja: tudo que faz falta (e muuuuuita) numa trilha de calor escaldante (exceto a sinuca, claro). Infelizmente, nesse oásis, o idioma luso-brasileiro era trucidado (vide foto a seguir). Para chegar ao nosso ônibus, pegamos carona em uma Toyota com um motorista estilo Paris-Dacar e seguimos por uma estrada ladeada por vegetação luxuriante, e esse período final do dia foi um contraste tão acintoso com o ritmo lento, a secura e o calor anteriores, que só mesmo uma macaxeira quentinha com manteiga derretendo e café com leite pra encerrar, delícia. Muita variedade e muita aventura nessa trilha!!!!
Você se arriscaria a desobedecer. Pois é, e assim caminha nosso português. Foto: Marcelo Negromonte.
Na quinta investida, lá fui eu pra Pesqueira de novo, dessa vez pra fazer a Trilha dos Cristais.
Atente para o que íamos subir. Ficou animado? Foto: Virginia França.
Bem, se deixando levar pelo título da aventura, a coisa foi um pouco decepcionante. Em virtude de uns probleminhas locais, o nosso guia nativo não obteve permissão da tribo para irmos ver os tão falados cristais que ficam em território indígena. Mas nem só de cristais se faz uma trilha: o dia estava lindo e apesar do calor e da vegetação muito seca no início, depois passamos por mirantes espetaculares e as flores e árvores eram bem incomuns, lindas!
Olha a estrada lá embaixo. Foto: Virginia França.
Parece um microfone, mas é uma flor, tá? Foto: Virginia França.
Terminamos essa trilha em Mimoso, um distrito de Pesqueira, tomando aqueles picolés de cidade do interior, vendidos nas residências dos moradores. Muito típico.
Final de mais um dia de trilha; pode ser efeito do cansaço, mas o céu fica mais bonito depois de uma trilha. Foto: Virginia França.
Em Bezerros (114 km do Recife) fica Serra Negra, cerca de 960m de altitude, ou seja: frio. Pois lá fui eu, fazer não só uma trilha, mas descer um paredão de pedra fazendo rapel.
Travessia do Açude Flecheira, pelo menos aí ninguém se molha. Foto: Virginia França.
A chuva ameaçou cair o dia todo, acabou não caindo; mas ainda assim o caminho teve muita lama e frio. Nosso destino era a Pedra do Deda, que inclui a Caverna ou Gruta do Deda e o Mirante do Deda. Até chegarmos lá passamos por muitas porteiras, açudes, lagoas e uma variada vegetação.
Deda era o apelido do Major Manuel Laurentino que adquiriu as terras no século XVII. Foto: Daniela Santos.
Entramos por um lado da caverna, que é bem curta e relativamente bem iluminada; do outro lado da caverna, próximo à saída, fica o caminho para o mirante. A subida é longa, mas fácil, com diversos pontos de descanso para apreciar a vista que alcança até Bezerros e em dias claros, Gravatá.
Vista do Mirante da Caverna do Deda. Água por toda parte e bromélias pra todo lado. Foto: Daniela Santos.
Nem deu muito medo. Fazer rapel é o maior barato. Foto: Marcus Henauth.
Um pouco abaixo do mirante e em outro ponto da pedra foi feito o rapel. Sinceramente, deu um medinho, mas depois de verificar a segurança da coisa, colocar o capacete, ser toda “amarrada” com o equipamento e receber as instruções, o mais difícil mesmo foi aguentar o frio do vento que não parava lá em cima. Era de bater o queixo! O rapel em si foi muito divertido, fomos três pessoas com o instrutor e foi possível aproveitar bem a descida. Valeu todo o frio de antes e de depois, quando anoiteceu. O espírito de aventura garantiu o saldo positivo do dia.
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