14.1.10

E a fé moveu montanhas...

Beech 1900D Airliner + tempestade + vendaval = pague para entrar e reze para sair. Foto: Breno Beltrão.



No meu penúltimo dia de viagem, cheguei a ver uma matéria de jornal noticiando uma trégua do frio polar na Espanha em troca da vinda, por alguns dias, de fortes chuvas acompanhadas de ventos de até 100 km/h. O texto trazia, inclusive, uma foto da catedral de Santiago (de Compostela) coberta de neve e, na hora, a única coisa que me veio à cabeça foi o seguinte: "Que lindo. E eu estava lá quando aconteceu.". Egoisticamente, só pensei, naquele momento, que a previsão do tempo para aquele dia era de céu azul pela manhã e encoberto à tarde, o que, de fato, aconteceu.

Dia seguinte, estou eu às 06 da matina no aeroporto de A Coruña pra fazer meu check-in e pedi à gentil funcionária da companhia aérea que tentasse me colocar em alguma saída de emergência. Ela, sorridente, respondeu que o avião NÃO tinha saída de emergência, pois era pequeno. Eu estranhei e, talvez pelo cansaço e pela fome, resolvi me preocupar com o assento do Recife-Lisboa, trecho bem mais longo.

07:30, rumei para o portão de embarque, passei pelos procedimentos de segurança tranquilamente (o aeroporto é pequeno e bem sossegado) e fui para o portão 1 esperar o voo que decolaria às 08:00.

Chegando lá, estranhei o fato de contar apenas algumas poucas pessoas. "O voo deve ir vazio", pensei.

O mundo desabava em água lá fora e nós, os poucos passageiros, pegamos o ônibus que nos conduziria até o avião.

E qual não foi a surpresa (minha e dos colegas de percurso) quando me deparei com a seguinte imagem:


Como assim??? Cadê o avião? Ainda pensei em perguntar para a funcionária do portão de embarque - essa nem um pouco sorridente - se eles colecionavam aviões de brinquedo ou se esse ia nos dar uma carona até o avião que nos levaria até Lisboa.

Mas era a realidade. Tinha de encarar.

Botei a cara dentro do avião. O bicho tinha capacidade para 14 passageiros. 7 fileiras com duas cadeiras cada. Logo ao entrar, olhei pra frente e pensei "já acabou? Só tem isso?". Via os outros entrando e tendo as mesmas reações...


"E o serviço de bordo, como vai ser?" A resposta estava encima da poltrona:


Lancheirinhas de papel, nos assentos, contendo um sanduichinho e uma garrafinha de água.

Me acomodei na poltrona. Olhei pra frente:


A sorte é que a lente da câmera é de 18mm. Caso contrário, essa foto não seria possível. Resolvi virar a máquina para trás:


A essa altura, a ficha começou a cair, pois começava a me lembrar da matéria sobre as tempestades e os ventos de 100km/h. Não é à toa que fiquei com essa cara de "dá tempo de desistir?"...

Totalmente resignado, percebi que não tinha visto tripulação. Eis que vejo a seguinte cena:


Socorro! Não tem tripulação! Meu Deus do céu (chuvoso e ventoso)! O piloto era, também, a tripulação. E entre o cockpit e a cabine não existe porta. Mais tarde, ao final do voo, eu viria a descobrir que naquele cubículo havia uma segunda pessoa, possivelmente uma estagiária de curso de aviação.

Ainda um tanto temeroso, resolvi ler o folheto de instruções do avião:


E aí, corro em direção à "exit"? Mas a moça do check-in não tinha me dito que não havia saída de emergência no avião? Mentirosa? Gozadora? Inculta? Deixei pra lá.

Sentei e esperei. O avião decolou. E balançava. E como balançava. Nessa hora, lembrei de algumas aulas de geometria plana e espacial, e percebi que o teco-teco chacoalhava horizontalmente, verticalmente, lateralmente, obliquamente (se é que essa palavra existe), e foi assim pelos próximos 100 minutos, os mais longos da minha vida.

No desespero, eu mentaliza "Ainda não. Sou muito novo.". E acho que todo aquele clima de fé e superação que eu tinha visto poucos dias antes em Santiago renovaram meu poder de crença.

Deu certo. Com mais balançado ainda, pousamos em Lisboa. Pela primeira vez, tive vontade de aplaudir o piloto, verdadeiro herói, pelo feito extraordinário atingido naquele momento.


E mesmo após 506km, o temporal continuava. E os próximos 5.839km, seriam com ou sem "emoção"?

Feliz 2010 de terras brasileiras a todos!


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